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O STJ reconheceu o cuidado como um valor jurídico

Data: 14/05/2012 17:30

Autor: Ana Lúcia Ricarte

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O Tribunal Superior condenou um pai a pagar uma indenização de R$ 200 mil reais por abandono de sua filha e esta decisão já vem sendo esperada pelos operadores do direito na área de família há alguns anos, pois algumas decisões de renomados Tribunais brasileiros já haviam decidido neste sentido. E este ano, finalmente, o tema teve um desfecho de grande relevância social. A relatora do processo foi a Ministra Nancy Andrighi que, com muita propriedade, decidiu no sentido de que “Amar é faculdade, cuidar é dever”.
 
As relações familiares têm proteção constitucional e legal, sendo que o cuidado há muito tempo vem sendo tratado pelo direito de família como um valor jurídico. Segundo a Ministra este valor é apreciável e com repercussão no âmbito da responsabilidade civil, porque constitui fator essencial – e não acessório – no desenvolvimento da personalidade da criança. “Nessa linha de pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae”.
 
O cuidado é um dever e não uma escolha dos pais. A falta deste cuidado gerado pelo abandono material ou moral resulta em danos aos filhos, o que deve ser devidamente observado e garantido aos filhos o direito de reivindicar uma indenização.
 
As indenizações, de forma alguma, eliminam a dor sentida por uma perda ou por abandono, mas servem como medida pedagógica e sinalizam para toda a sociedade que o Estado não é omisso em relação aos que descumprem os deveres legais, mesmo sendo o dever de cuidar de um filho. 
 
Ser abandonado pelo seu pai e ser tratado com indiferença, principalmente em relação à sua atual família, fere de maneira contundente a dignidade da pessoa, pois causa tristeza, mágoa, dor, provoca uma total desordem estrutural na vida deste ser humano e não há como sair desta situação sem marcas e danos. 
 
Ser abandonado não é natural, pois não fomos projetados pela natureza para o abandono daqueles que nos conceberam a vida e que deveriam nos amar, cuidar e proteger. E nesta seara as consequências sociais do abandono são sentidas por todos nós, pois vivemos em sociedade e não de forma isolada.
 
O Estado não pode obrigar um pai a amar um filho, no entanto,  pode exigir que ele cumpra com o dever de cuidar, e se não o fizer, que seja compelido a indenizar o dano que causou por  descumprimento de lei.
 
A decisão do STJ sinaliza no sentido de que a nossa sociedade vê no cuidado um valor que não pode ser desprezado ou mesmo minorado. É uma decisão acima de tudo pedagógica.
Continuar a fechar os olhos para os danos causados aos filhos pelo abandono por medo da monetarização da família e do afeto é desprezar o dever do cuidado que os pais têm com relação aos filhos. Como consequência, as varas de família estão lotadas de litígios pautados na falta de compreensão da grande missão que é ser pai e mãe, na supervalorização das questões financeiras em detrimento do ser humano, mesmo levando em consideração que este ser humano é um filho, o qual não tem culpa da falta de amor e tolerância dos seus pais.
 
Já estava passando da hora de o STJ perder o medo da tal proclamada indústria do dano moral e fazer o que sempre esperamos dele: que decida pela dignidade da pessoa humana e pelo cumprimento dos deveres familiares, porque somente assim seremos realmente um Estado forte.
 
 Os valores maiores são o cuidado e a solidariedade entre pais e filhos. Estes são a base da família e de toda sociedade. Uma decisão como esta traz à tona a discussão dos nossos valores e fortalece o Estado Democrático de Direito, no sentido de que deveres são deveres e devem ser cumpridos em todo âmbito social, principalmente na família.
 
Finalmente, resta concretizado após anos de longa espera que o cuidado com os filhos tem raízes em nossa sociedade e que este é um elemento objetivo do direito.
 
Ana Lúcia Ricarte, Advogada, Diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família em Mato Grosso e Presidente da Comissão dos Direitos da Mulher da OAB-MT.
 
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