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Os direitos patentários à luz da Constituição Federal de 1988

Data: 14/03/2013 15:00

Autor: Felipe Amorim Reis

 

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    A propriedade industrial fora criado ao longo do desenvolvimento histórico com as revoluções liberais, a Revolução Americana e a Revolução Francesa, objetivando a realizar o que antigamente era realizado arbitrariamente por monarcas absolutistas em razão de reservas de mercados. 
 
    A disciplina daquele instituto que foi objetivado, passando a ter critérios para sua concessão, como influência da burguesia comercial e industrial ascendente que instrumentalizou os cânones do direito civil romanista. O direito patentário inicialmente era relacionado, por analogia, ao direito de propriedade, tendo-se em vista a característica do monopólio que o caracterizaria e que seria a gênese das coevas vantagens, desvantagens e críticas das patentes como propriedade imaterial.
 
    Desta forma, o direito patentário, é um direito imaterial conferido pelo Estado e que dá ao seu titular a exclusividade de exploração da tecnologia inventada. 
 
    Com o desenvolvimento da patente, este direito passa a relacionar-se, simetricamente com a propriedade, enquanto sendo um direito instrumentalizado por uma classe social para manutenção de sua ascensão, a burguesia liberal, oriundo do direito francês, mais exatamente, o pós-revolucionário.
 
    Nestes termos, o constituinte de 1988 inseriu no seu Texto Maior a proteção aos titulares da invenção intelectual, conforme se vê no inciso XXIX do art. 5º da CF/88   
Ademais, havendo proteção constitucional e fundamento de validade em norma hierarquicamente superior, o legislador ordinário inseriu no ordenamento jurídico brasileiro a Lei 9.279/1996, sobejamente conhecida como Lei de Propriedade Industrial.
 
    A aludida norma prevê no seu art. 2º  a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerando o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
 
    Neste sentido, Rubens Requião  define propriedade industrial da seguinte forma: “O empresário, sobretudo para o efeito de fixar sua clientela, foi levado a imaginar sinais ou expressões distintivas, e caracterizar os produtos resultantes do exercício de sua atividade. Surgem, assim, bens de natureza imaterial, incorpórea, frutos da inteligência e engenho do empresário”.
 
    Desta feita, os direitos industriais, advindo da propriedade intelectual são concedidos pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, Autarquia Federal, que efetivamente vem cumprindo com rigor o seu papel institucional.
 
    Com efeito, entendo que os direitos industriais devem ser preservados pelo sistema jurídico nacional, pois é de suma importância para o desenvolvimento tecnológico, científico e progresso social e econômico do país.
 
    Todavia, consoante a norma de propriedade industrial em tela, mister se faz a delimitação temporal da propriedade industrial e suas renovações.
 
    Assim, por razões de segurança jurídica e manutenção do sistema jurídico vigente não é admissível que uma patente seja prorrogada ad eternum em total desconformidade com o sistema jurídico vigente.
 
    Sobre o tema o colendo Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento do prazo inicial das patentes é limitado pelo prazo da legislação brasileira, ainda que o depósito da patente seja efetuado no exterior, vejamos:
 
"ADMINISTRATIVO E COMERCIAL. MS. RECURSO ESPECIAL. PATENTE CONCEDIDA NO ESTRANGEIRO. PATENTES PIPELINE. PROTEÇÃO NO BRASIL PELO PRAZO DE VALIDADE REMANESCENTE, LIMITADO PELO PRAZO DE VINTE ANOS PREVISTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. TERMO INICIAL. DATA DO PRIMEIRO DEPÓSITO. ART. 230, § 4º, C/C O ART. 40 DA LEI N. 9.279/96.
 
1. A Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 230, § 4º, c/c o art. 40, estabelece que a proteção oferecida às patentes estrangeiras, chamadas patentes pipeline, vigora 'pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido', até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil - 20 anos – a contar da data do primeiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado.
2. Recurso especial provido ".
(REsp 731.101/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 19/05/2010)
 
    No mesmo sentido:
 
"PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PATENTE PIPELINE. PRAZO DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS PATENTES. APLICAÇÃO DA LEI. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL.
 
1. O regime de patente pipeline, ou de importação, ou equivalente é uma criação excepcional, de caráter temporário, que permite a revalidação, em território nacional, observadas certas condições, de patente concedida ou depositada em outro país.
2. Para a concessão da patente pipeline, o princípio da novidade é mitigado, bem como não são examinados os requisitos usuais de patenteabilidade. Destarte, é um sistema de exceção, não previsto em tratados internacionais, que deve ser interpretado restritivamente, seja por contrapor ao sistema comum de patentes, seja por restringir a concorrência e a livre iniciativa.
3. Quando se tratar da vigência da patente pipeline, o termo inicial de contagem do prazo remanescente à correspondente estrangeira, a incidir a partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que foi realizado o depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro depósito no exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção ao invento (v.g.: prioridade unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e 230, § 4º, da Lei 9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da CUP.
4. Nem sempre a data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a mesma da correspondente no exterior. Incidência do princípio da independência das patentes, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das causas de nulidade e de caducidade patentárias como do ponto de vista da duração normal.
5. Consoante o art. 5º, XXIX, da CF, os direitos de propriedade industrial devem ter como norte, além do desenvolvimento tecnológico e econômico do país, o interesse social. Outrossim, na aplicação da lei, o juiz deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º da LICC).
6. Recurso especial a que se nega provimento ".
(REsp 1.145.637/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 08/02/2010).
 
    A legislação brasileira, acertadamente veda qualquer detentor de invenções, marcas ou patentes de cobrar os direitos já expirados, isto é, que já caiu em domínio público, nos termos do art. 78  da citada Lei.
 
    No entendimento do Professor Denis Borges Barbosa  Domínio Público significa a “consequência involuntária da extinção, por qualquer motivo, de um direito de exclusiva. Extinta a patente, certificado, modelo ou desenho, por caducidade, expiração do seu prazo, ou nulidade, o seu respectivo objeto cai em domínio público (art. 78, parágrafo único). Vale dizer, deixam de ser subsistentes os poderes erga omnes previstos na lei como privativos do titular. Assim, a solução técnica cujo conhecimento já era disponível a todos desde – pelo menos – a publicação, passa a ser também industrialmente acessível a todos. Realiza-se no patrimônio de todos os interessados o direitos antes adquirido ao momento da concessão da patente, o de passar a explorar o objeto da patente sem oposição do titular (...)”. “O exemplo mais veemente do efeito da queda em domínio público da patente é o chamado “genérico”, medicamento sem a marca do titular da patente expirada, fabricado a partir do momento em que já não mais vige a patente, seguindo parâmetros farmacêuticos que – sob as normas sanitárias pertinentes – assegurem equivalência funcional com o produto anteriormente patenteado”.
 
    Com efeito, o que se discute no leading case com a multinacional Monsanto LLC., não é o dever de pagamento de royalties pelo uso da tecnologia Roundup Ready (RR) por parte dos produtores de soja e algodão do país. Mas sim o pagamento dentro dos limites legais impostos pelo sistema jurídico nacional.
 
    Em sendo assim, dado que a patente caiu em domínio público, todos podem usar e fabricar livremente todas as atividades compatíveis com tais patentes.
 
    Ao tratar sobre domínio público em direito patentário, Pontes de Miranda  preleciona no sentido de que, “a promessa constitucional de patenteamento foi cumprida e esgotada.”
 
    Nestes termos, novamente o Professor Denis Barbosa nos ensina que “a sociedade conferiu ao titular de invenção uma exclusividade por tempo limitado, para que pudesse reaver neste prazo, os investimentos pela contribuição que faz à técnica, através dela, à Sociedade.”
 
    Logo, verifica-se in casu, o abuso de direitos patentários daquela multinacional, vez que suas patentes, de acordo com o sistema jurídico vigente, encontram se em domínio público.
 
    Outro ponto que merece maior atenção do Poder Judiciário está relacionado à problemática do abuso de direitos patentários. Uma vez que as próprias multinacionais, amparadas pelos sistemas jurídicos alienígenas, abusam de tais direitos cobrando royalities de suas patentes já expiradas de acordo com o sistema jurídico brasileiro.
 
    O jurista Silvio Rodrigues  preconiza que “a teoria (do abuso do direito) atingiu o seu pleno desenvolvimento com a concepção de Josserand, segundo qual há abuso de direito quando ele não é exercido com a finalidade social para qual foi conferido, pois como se diz o jurista, ao homem para serem usados de uma forma que se acomode ao interesse coletivo, obedecendo à sua finalidade, segundo o espírito da instituição”.
 
    Por outro lado, concordo que a biotecnologia é salutar para o desenvolvimento da agricultura e progresso tecnológico, social e econômico do país.
 
    No entanto, não é factível que as empresas estrangeiras ultrapassam os limites da legalidade/constitucionalidade do sistema jurídico brasileiro para a obtenção de seus exorbitantes lucros em detrimentos dos empresários-produtores brasileiros.
 
    Desta forma, à luz das decisões já existentes, vem perfeitamente entendendo o Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso em suas decisões sobre a expiração das patentes de soja RR1 da multinacional americana.
 
    A guisa de todo o exposto, conclui se que o Poder Judiciário brasileiro como um todo vem cumprindo o seu papel constitucional de preservação do estado de direito e boa aplicação das leis, resguardando o interesse coletivo e fazendo cumprir os primados constitucionais da segurança jurídica e da soberania nacional.
 
Felipe Amorim Reis é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, pós-graduando em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público de MT e Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT.
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1-   Art. 5º XXIX –a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégios temporários para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes das empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do Pais.
2-   Art. 2 da Lei 9.279/1996 “protege os direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: I - concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade;II - concessão de registro de desenho industrial;III - concessão de registro de marca; IV - repressão às falsas indicações geográficas; e V - repressão à concorrência desleal.”
3-  REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
4-  “ Art. 78 da Lei 9.279/96. A patente extingue-se: I - pela expiração do prazo de vigência; II - pela renúncia de seu titular, ressalvado o direito de terceiros; III - pela caducidade; IV - pela falta de pagamento da retribuição anual, nos prazos previstos no § 2º do art. 84 e no art. 87; e V - pela inobservância do disposto no art. 217.”
5-  Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 – Tomo V (art. 150,§2º -156), Revista dos Tribunais, 1969.
6-  Silvio Rodrigues, Direito Civil – Parte geral. 24ª Edição, São Paulo. Ed. Saraiva, 1994 v. 1º P. 311.
 
 
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